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A Copa do Mundo feminina e a desigualdade de gênero

Quando surge a época da Copa do Mundo Feminina de Futebol, um debate vem à tona e sempre chama a atenção dos principais meios de comunicação do país: o ativismo das nossas atletas pelo reconhecimento igualitário tanto por parte dos órgãos responsáveis pelos jogos que disputam (federações esportivas) quanto pelos seus patrocinadores e clubes envolvidos.

Desde a sua primeira realização na China, no ano de 1991, até à sua edição atual na Austrália e Nova Zelândia, o torneio já completa 30 anos de existência e com uma participação de 32 seleções femininas (o mesmo número alcançado pelas seleções masculinas de futebol). Em 2019, a FIFA já havia percebido essa situação e determinou um aumento bastante significativo referente ao prêmio geral distribuído entre as seleções participantes (de US$15 milhões para US$30 milhões), além de oferecer um aumento de US$2 milhões no prêmio das vencedoras da competição (que vem crescendo cada vez mais em divulgação e atraindo novos investidores).

Agora, em 2023, já podemos contabilizar um expressivo aumento de público nos estádios da competição com um número recorde de ingressos vendidos (dois meses antes do mundial) e com as entradas para as finais/semifinais se esgotando em apenas 48 horas. E, desta vez, a premiação já alcança o valor total de US$110 milhões (equivalentes a aproximadamente R$550 milhões). Mas, apesar de um aumento considerável de valores, esse número está ainda muito aquém da premiação da Copa do Mundo Masculina (que pagou US$440 milhões, ou seja, quase R$2,2 bilhões) no Catar em 2022.

Diferença salarial entre homens e mulheres no futebol

A verdade é que se observarmos bem os avanços quanto ao interesse em se propagar o futebol feminino pelo mundo, quando a questão envolve os rendimentos dessas atletas (soma do salário bruto, bônus e patrocínios) a situação é bem distante da realidade de um jogador de futebol masculino. Só para se ter uma ideia: o salário das cinco jogadoras mais bem pagas do futebol feminino somam menos do que o salário de um único jogador entre os top 10! Em 2018, a jogadora brasileira Marta (seis vezes melhor do mundo) obteve 267 vezes menos rendimentos que o Neymar (ela não chegou a receber 1% do rendimento anual do jogador).

Essa diferença pode ser talvez explicada pela total falta de visibilidade do futebol feminino fora da época de Copa do Mundo. E sem visibilidade, não há investimentos (principalmente no Brasil). Funciona desse jeito: os dirigentes esportivos não investem no futebol feminino (não sendo uma prioridade nos clubes), as empresas não apoiam as jogadoras, a mídia não faz a cobertura de eventos estaduais ou nacionais, esses eventos rendem menos com a falta de público e, ao final, essa perda de apoio se transforma em um grande problema para a prática do esporte para essas atletas.

Existe mesmo essa questão de gênero no mundo do futebol?

O gênero é entendido como aquilo que diferencia socialmente os homens e as mulheres. Desde cedo, somos educadas sobre os tipos de comportamentos ditos masculinos e femininos, criando assim o início dessa diferenciação quanto ao que podemos ser. O futebol mesmo, por exemplo, se caracteriza na sua origem como um esporte atrelado ao universo masculino e, por muitos anos, se firmou como um reduto exclusivo dos homens.

Essa questão foi tão difundida, enraizada e profunda em nossa sociedade que, por muito tempo, argumentos biológicos eram utilizados para afastar as mulheres da sua prática (profissionais de saúde afirmavam que essa atividade poderia causar lesões às glândulas mamárias!). Dessa forma, o pensamento machista que prevalecia era: “futebol não é coisa de mulher”. Para se ter uma ideia, até Getúlio Vargas assinou um decreto (em 1941) que afirmava categoricamente que “as mulheres não se permitirão a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Apenas em 1979 essa inacreditável proibição deixou de existir e, mesmo assim, durante os anos 80 as iniciativas de futebol feminino no Brasil ainda eram bem raras.

O que falta para o Brasil avançar no futebol feminino?

Em 2019, um valioso ponta pé inicial foi dado pelos dirigentes do esporte e uma vitória foi finalmente alcançada pelo futebol feminino em nosso país. A partir desse ano, todos os 20 clubes da série A do Brasileirão precisaram estruturar seus departamentos e equipes de futebol feminino (adultos e de base), seguindo as regras do Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol. Isso já é lei e obrigatório!

Nessa época, apenas 7 dos 20 clubes participantes possuíam equipes femininas. E isso não era devido à falta de interesse das mulheres em jogar futebol. A questão principal era que raramente essas jogadoras são tratadas como profissionais do futebol. Segundo um relatório da FIFA, em 2019, das 15.000 mulheres que jogavam em times organizados no Brasil, menos de 3.000 eram registradas profissionalmente como jogadoras. Ou seja, a falta de apoio, de reconhecimento e de uma remuneração condizente são marcas do futebol feminino praticado no Brasil.

Como estimular a adesão de mais atletas femininas no futebol brasileiro?

É claro que as diferenças entre as modalidades existem. Estamos ainda bem distantes de uma qualificação e preparação iguais ao do futebol masculino. Mas isso não é uma desculpa para que hajam diferenças baseadas em preconceitos de gênero. Basta que nossos dirigentes do futebol voltem o seu olhar para as experiências bem sucedidas das equipes femininas de outros lugares do mundo e abram mais oportunidades e condições de trabalho para que nossas atletas se desenvolvam e cresçam esportivamente no cenário do futebol feminino.

Que todos nós, enquanto sociedade, possamos trabalhar para a construção de um mundo cada vez mais inclusivo, onde as nossas meninas possam escolher o esporte que elas quiserem, sendo estimuladas a desejarem pela prática de novas modalidades esportivas e sua profissionalização dentro delas, indo além das já tradicionais escolhas do ballet (que também é uma prática valiosa e tão importante quanto). Que surjam novas Martas para que a nossa seleção feminina de futebol seja tão respeitada e valorizada quanto à masculina. Temos talento e futebol de sobra para isso!