Nos últimos anos, tem crescido bastante as discussões sobre assuntos que infelizmente sempre estiveram presentes em nossa sociedade, mas que por vários motivos não eram comentados seja por medo de exposição das vítimas ou por se tratarem de situações que não encontravam ainda um grande respaldo dos meios de comunicação e, principalmente, das leis.
Com o avanço progressivo do empoderamento feminino e da visibilidade das mulheres nos principais canais de comunicação (a internet é um deles), diversos casos de assédio e de importunação sexual têm sido reportados com muito mais frequência ao redor do mundo.
As mesmas tecnologias que servem para ajudar na divulgação de informações que contribuem para valorizar as mulheres na sociedade, também impulsionaram ainda mais um crime de natureza furtiva em relação a elas (praticados com o uso de celulares, minicâmeras e aplicativos ou sites que facilitam o compartilhamento de pornografia ilegal): o upskirting.
É preciso que as autoridades estejam cada vez mais preparadas para agir no combate a essa terrível violência contra a mulher e que todas nós possamos nos unir para conscientizar outras mulheres a denunciar/identificar essa prática criminosa.
O que é upskirting?
A prática do upskirting refere-se ao ato de fotografar e filmar por baixo da saia ou vestido sem a ciência e consentimento da vítima (na maioria mulheres). Em geral, esses agressores agem em locais públicos (metrôs, trens, ônibus, restaurantes, lanchonetes, bares, shows, praias etc.), utilizando-se da grande concentração de pessoas do local para permanecerem no anonimato e também para contribuir para a distração das mulheres durante a captação das imagens. Depois, ainda é feito o compartilhamento na internet com outros criminosos, expondo e constrangendo as vítimas.
Essa ação criminosa de violência e importunação sexual traz inúmeras consequências (físicas e emocionais) para as vítimas, que têm a sua privacidade e seus corpos violados, fazendo com que se sintam vulneráveis a outros ataques dessa natureza.
“Levantaram minha saia e fotografaram minhas partes íntimas”
Infelizmente, esse tipo de assédio terrível tem se espalhado assustadoramente no mundo inteiro. Entre 2010 e 2019, no Japão, a polícia de Osaka registrou quase 4 mil prisões envolvendo casos de upskirting. Em 2019, um espanhol foi preso em flagrante e condenado a 40 anos de prisão por gravar roupas íntimas de mais de 500 mulheres no metrô e postar em um site pornô.
Em 2017, a escritora britânica Gina Martin viveu essa situação enquanto se divertia com sua irmã em um festival de música, quando um homem na companhia de outro se aproximou e, por baixo de sua saia, fotografou suas partes íntimas sem o seu consentimento: “Ele colocou seu celular entre as minhas pernas, virou a câmera por baixo da minha saia e tirou fotos das minhas partes íntimas, em plena luz do dia! Me virei para o lado e, logo depois, notei que o seu amigo estava olhando para o mesmo celular dando risadas. Imediatamente me reconheci na foto que mostrava as minhas partes íntimas. Arranquei o celular de sua mão, saí correndo e comecei a gritar por socorro”, relatou às autoridades locais na época.
Mesmo após a denúncia do caso de assédio, o seu agressor ficou em liberdade e continuou impune. Sua indignação com o fato foi tanta que a levou a criar uma petição on-line que recebeu mais de 58 mil assinaturas e o apoio do Partido Trabalhista britânico. Após a forte repercussão desse caso e a pressão do público, Gina conseguiu junto à justiça que esses atos abusivos fossem finalmente criminalizados na Inglaterra e no País de Gales.
Já no Brasil, diversos casos de upskirting são relatados pelas mulheres. Em 2018, por exemplo, uma mulher foi vítima desse crime em uma padaria em Betim, Minas Gerais. Em 2020, um homem foi flagrado filmando com um celular posicionado embaixo da saia de uma jovem que esperava para ser atendida em uma casa lotérica em Aracajú, no Sergipe.
Como se proteger do Upskirting no Brasil?
O que esses abusadores não sabem é que, dependendo do caso, podem ser acusados de crimes de abuso ou assédio sexual, uso indevido de imagem, constrangimento ilegal e, se as vítimas forem menores de idade, pedofilia.
O combate ao upskirting no exterior inspirou um projeto de lei aqui no Brasil, a PL 242/2019, que eleva a pena para qualquer tipo de filmagem ou fotografia de cenas de nudez ou sexo sem o consentimento dos participantes (em locais públicos ou privados) e mesmo com o uso de roupas íntimas. O projeto foi aprovado em novembro de 2022 pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e aguarda análise da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania para só então seguir para a votação.
Atualmente, o amparo legal para as vítimas de upskirting é feito pela Lei nº13.772/2018 e a Lei nº13.718/2018, que criminalizam os registros sem consentimento de nudez e sexo (com penas de 6 meses a 1 ano), prevendo ainda o agravamento da pena (até 5 anos) para os casos de compartilhamentos não autorizados (ou ainda quando a vítima é tocada e a sua saia ou vestido são levantados sem o seu consentimento).
Como denunciar casos de Upskirting?
Para punir o agressor, a vítima deve seguir até uma Delegacia da Mulher para registrar um boletim de ocorrência. As informações necessárias que irão ajudar a construir a denúncia são:
– Local e horário do crime;
– Características do abusador (fotos e vídeos facilitam a identificação)
– Testemunhas que presenciaram o fato;
– Outras provas, como: registros de câmeras de segurança ou qualquer filmagem que flagrem a ação, prints que comprovem o compartilhamento ou confissão da ação etc.
Por ser um crime de natureza furtiva, é possível que a vítima não tenha presenciado o exato momento do abuso. Se descobrir depois que as suas fotos íntimas estão sendo compartilhadas, faça prints de tudo e entre em contato com o site para haver a remoção imediata das imagens (que é um direito garantido por lei). Caso o site não remova, separe os links das imagens e entre em contato com um advogado ou a Defensoria Pública para acionar a justiça.
Se você testemunhar esse crime, é importante avisar a vítima e fazer o possível para tirar fotos/ vídeos do abusador o quanto antes (para que ele seja punido). É importante destacar que a culpa nunca é da vítima do Upskirting e sim do abusador!